terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Ignorância e Arrogância

Cena do filme "La Double Vie de Véronique"

     Por esses últimos meses e, para ser sincero, neste último ano, aprendi muitas coisas. Na verdade, acho que aprendi mais coisas do que em qualquer outro ano de minha vida escolar. Li mais do que pudesse imaginar que fosse ler e tive mais insights sobre o mundo e a vida do que achei que fosse possível ter. Ainda assim, não me sinto inteligente. Quer dizer, na escola, onde havia muita, mas muita gente ignorante, me sentia o verdadeiro einstein (isso é exagero, mas ainda me considerava estar entre os alunos inteligentes da escola). Mas não digo inteligência no sentido objetivo da palavra, digo-a em seu significado perceptivo – popularmente, esperteza. Enfim, até agora, pode parecer-lhe que sou algum tipo de narcisista egocêntrico presunçoso e arrogante. Em primeiro lugar, o blog é meu e eu escrevo o que quiser; em segundo, ninguém lê isso aqui além de mim; em terceiro, por fim, nenhuma dessas qualidades me é falsa.

    Isso mesmo – como vim a descobrir no decorrer deste meu primeiro ano na faculdade –, sou (com alguma sorte, era) dono de uma arrogância tremenda e sem limites. Terminei o ensino médio e entrei na faculdade achando que iria continuar sendo o ser de respeitável inteligência que pensava que era e, para minha surpresa, acabei por reconhecer a minha imensa estupidez. Com justiça, durante o primeiro semestre e uma parte do segundo ainda me via como alguém de destacado intelecto, o que, porém, com o tempo, foi mostrando-se inverdade à medida em que aprendia, ouvia e, principalmente, lia. Mas reconhecer a própria arrogância e ignorância não é tarefa tão fácil assim, não. Eu não lia apenas textos e livros de autores respeitáveis e, com certeza, muito mais inteligentes que eu – o que, é verdade, fazia-me enxergar minha própria ignorância, porém não a minha arrogância –, mas lia muito do que pessoas ordinárias tinham a dizer, aquilo que cidadãos comuns como eu pensavam sobre um determinado assunto. Isso me fez perceber o quanto eu ainda preciso aprender (e ler) se quiser formar opiniões sólidas sobre os vários assuntos que me interessam. Não foi por engano que me peguei diversas vezes desejando ter estudado e aproveitado mais o ensino médio. Ter realmente lido Machado, Amado, e outros artistas que, vergonhosamente, não me vêm à cabeça. É claro, alguns poderiam dizer, pode-se ler estes livros agora, e com razão, deles não discordo. Sinceramente, agora que estou na faculdade e no caminho à vida adulta, não me vejo lendo quaisquer livros que não sejam aqueles que me são essenciais à carreira acadêmica e entendimento político-econômico básico. Além disso, tenho o pesar de admitir, e imagino que a muitos calouros a situação não lhes é diferente, que não li todos os textos que deveria ter lido, e que agora sofro a encontrar tempo livre para lê-los.

    Voltando ao tópico, não só ler autores importantes, mas também descobrir o quão outras pessoas na minha faixa etária são mais cultas e intelectuais do que eu, e mais algumas outras razões menores, tudo isso explicitou o tamanho de minha arrogância e ignorância. Reconheço agora que, quanto mais aprendo, mais ignorante percebo que sou"The more I learn, the more ignorant I realize I am." (em inglês porque é mais bonito)

     Mas... e agora? O mais interessante de toda essa experiência é que, de fato, nada muda. As pessoas continuam as mesmas, os autores, as teorias, os livros, os políticos, intelectuais, ativistas, cientistas, e etc. É óbvio, a minha percepção das coisas muda; mas mais do que isso, acredito que, agora, reconhecendo a minha ignorância sobre praticamente tudo, sou capaz de respeitar (certas) opiniões que, apesar irem contra minhas próprias convicções, são amplamente possíveis de estarem certas – e eu de estar errado.

     Por outro lado, essa minha posição de incerteza perante um determinado assunto é de grande tentação àqueles que ainda não se desfizeram de sua arrogância. Enquanto você reconhece que não é um expert ou que não possui um PhD no assunto, o arrogante não deixa de assumir que está absolutamente correto. De certa forma, o arrogante é tão preso aos próprios argumentos e opiniões que passam-lhe a ser um tipo de fé cega da qual não deve, de maneira alguma, criticar. O sujeito desespera-se por estar sempre correto e busca, incansavelmente, autoafirmar-se; ele lê, ouve, assiste, enfim, procura em qualquer tipo mídia algo que apenas reafirme seu posicionamento; nos poucos casos em que há um contato com a fonte original do argumento do outro, este acontece de maneira parcial. Ao fazer isso, não só nos tornamos mais cegos em nossos próprios argumentos, mas também tendemos a radicalizar e polarizar as discussões, os assuntos, os posicionamentos. Desse jeito, acaba tornando-se impossível encontrar valores e ideias em comum.


É bom esclarecer, no entanto, que refiro-me especialmente àqueles que possuem ignorância em determinado assunto, e não aos que dedicaram a vida ao estudo de tal assunto (como os mestres e doutores de instituições renomadas) e que, na realidade, são minoria – ainda assim, é muito mais fácil de se respeitar um intelectual quando este não é arrogante –, e mais raros ainda são os intelectuais que possuem amplo conhecimento em vários assuntos; o bom historiador pode também entender bem de política, sociologia, filosofia e economia, mas dificilmente não possuirá significativa ignorância em relação à medicina, psicologia, astronomia e física.

     E, finalmente, o que quero dizer com tudo isso? Na verdade, minha intenção era dizer que, agora que deixei minha arrogância de lado e que reconheci minha enorme ignorância, me surgiu uma intensa vontade de estudar. Não apenas a minha área de estudo, mas inúmeros outros ramos nos quais tenho interesse. Se antes eu procurava ler para reafirmar as minhas convicções, agora leio porque sei que sou ignorante e tenho vontade de entender sobre um tema. Não me coloco, e não me cego, a menos que possua considerável conhecimento sobre um assunto, a posicionar-me exclusivamente à esquerda ou à direita, ao horizonte ou à vertical, a norte ou a sul.

Mirror's Edge

Nenhum comentário:

Postar um comentário