segunda-feira, 6 de julho de 2020

Julho

     Mas de que serve um diário se você não faz nada todos os dias?!


     Essa é minha resposta a mim mesmo quando me pego com vontade de escrever durante a quarentena. É claro que poderia escrever sobre minha experiência da quarentena, minhas reflexões, ansiedades, perspectivas, numa tentativa (vã) de manter-se sóbrio perante a absurdez destes tempos. Mas entendo que é um vício moderno essa introspectividade egocêntrica na qual o autor se acha único e distante das massas que ele próprio faz parte. Não, minha percepção pessoal desta pandemia não tem valor específico algum sem antes alguém perguntar por ela. Ao invés disso, tenho escrito pequenos ensaios para mim mesmo à mão, nos meus caderninhos, quando não consigo deixar de escrever alguma coisa.

     Acho que o que mais venho sentindo falta é de produzir, de criar. Mas por preguiça, falta de vontade ou solidão não me entusiasmo para a produção acadêmica, nem tampouco para uma produção profissional autônoma (e por que diabos precisamos todos ser autônomos agora?!). Aliás, não quero produzir sozinho; quero fazer-junto, quero estar em comunidade. Uma comunidade de verdade, real, carne-e-osso, não essas mentiras virtuais que contamos a nós mesmos para fingir estarmos um pouco menos distantes um do outro. Essa tela maldita só serve para me lembrar que a distância dos meus companheiros é total e é real, jogando minha solidão contra minha cara com um tom de ironia toda vez que termino uma 'chamada' e a desligo (sim, black mirror).

     Ah, leitore, nem te conto sobre minha progressiva desilusão e crescente ódio à internet contemporânea, redes sociais e tecnologias afins. Este é um verdadeiro mal do nosso século. Também não preciso dizer que, desde a última postagem, mudei. Muitas das minhas publicações antigas me causam constrangimento só de ler, mas mantenho-nas aqui no ar porque não acho que devamos apagar nossas memórias, quanto menos o nosso passado, ou então esquecemos de nós mesmos e tornamo-nos um ser sem história.

     ... e de que serviria a viagem, se se tem medo da aventura?

"Someday", por Aenami